05 de
julho/1922- 2016)
Noventa e quatro anos da revolta do Forte de
Copacabana
Aprendi
que a História é como uma peça de salame, quando a cortamos em fatias, perdemos
a noção das suas dimensões. Eis o motivo pelo qual episódios históricos,
apresentados sem as conexões devidas, acabam transformados em meros relatos de
fatos. Perde-se, aí, o sentido de apreensão de conhecimento disponível que o
quebra-cabeças do comportamento humano ensina. Mas, saiamos deste introito
macro e apontemos o holofote para o Brasil, mais acuradamente, ao Rio de
Janeiro no remoto 1922. O ano de 1922 foi mágico no Brasil. A sociedade
brasileira ardia em desejos de mudança. Nestas calendas, precisamente no dia 5
de julho, eclodiu uma revolta militar na capital federal, marcando o início dos
desdobramentos políticos, que inexoráveis, acabaram por transmutar o país, fazendo-o
entrar no século 20. Todos os acontecimentos políticos relevantes do século
passado foram, no Brasil, de alguma forma, influenciados pela epopeia de
Copacabana, registrada nas páginas da História do país, como A revolta dos 18
do Forte de Copacabana. Decepção, foi a decepção que a fez eclodir. A República
mostrava-se uma farsa, um regime onde as oligarquias econômicas haviam se
apoderado das decisões políticas. O estado de corrupção, pobreza e abandono do
povo, indignavam a jovem oficialidade do Exército, forjada sob a influência
doutrinária do Positivismo. Ordem e Progresso, era o que ansiavam, a realidade
mostrava outro mundo. Conchavos políticos governavam o país e sob uma fachada
democrática, havia a ditadura dos compadres defendendo interesses cartoriais.
Nesta cena, uma carta, supostamente assinada por Arthur Bernardes, então
representante dos grupos oligárquicos no poder, e postulante à cadeira
presidencial nas eleições de 1922, ultrajava o Exército. Ela serviu como pretexto
para o levante de julho na capital federal. A revolta militar, liderada por
jovens oficiais (os tenentes), planejava insurgir as tropas no Rio de Janeiro e
depor o governo, impedindo Arthur Bernardes de assumir a presidência. A ação,
entretanto, fracassou, somente a guarnição do Forte de Copacabana e a Escola
Militar (rapidamente debelada) se levantaram. Sozinho e cercado, o contingente
revoltoso do Forte ficou sem capacidade de ação, seus comandantes liberam a tropa
da luta suicida. Vinte e oito homens permanecem intramuros e são eles os que
abrem o portão da fortaleza e rumam na direção do Catete. Durante a caminhada, abandonos
acontecem. E quando o embate definitivo ocorre, estavam reduzidos a 18 mártires
heróis,-17 militares e 1 civil adesista. No choque com as tropas legalistas
apenas 2 homens, entre eles, sobreviveram. O sangue na areia de Copacabana não se
derramou em vão. Não foi o fim, era o começo. O início duma jornada. O
movimento Tenentista havia sido deflagrado, e exatamente dois anos após, dia 5
de julho de 1924, São Paulo se rebela numa batalha que dura 3 meses.
Desalojadas de São Paulo, as tropas revolucionárias permanecem em luta no interior
do Paraná, e em outubro do mesmo ano, o terceiro ato do processo acontece na
fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, onde os tenentes levantam as unidades
militares, apoiados por grupos civis. As forças vindas do sul se agrupam aos
remanescentes do corpo paulista no Paraná e formam uma coluna revolucionária
que cruza o país durante 3 anos, percorrendo 27000 km. Trata-se da Coluna Prestes, nome pelo qual
ficou conhecida após desmobilizada. Estes bravos
desmoralizaram
a ditadura civil e deram o suporte militar à revolução de 1930, que vitoriosa, levou
Getúlio Vargas ao poder. A Era Getulista moderniza o país, e sua administração
política é regionalmente assumida pelos tenentes na missão de interventores. Houve
um salto na organização social e econômica do Brasil. Ambições dos antigos
caciques políticos e tempos de expansão de ideologias messiânicas conturbaram o
governo Vargas e o transformam-no ditador em 1937. O Corpo Militar, ainda impregnado com o ideal
republicano positivista, afasta-se dele e pouco tempo depois do fim da II
guerra mundial, outubro de 1945, o depõe pacificamente. No calendário era 1951,
quando Getúlio Vargas retorna à presidência através do voto, mas envolvido pela
corrupção insidiosa, comete o suicídio no mês de agosto de 1954. A partir daí,
o país mergulha na instabilidade e se vê lançado no caldeirão da guerra fria. A
intervenção militar de 1964 é o coroamento da revolução positivista iniciada
pelos tenentes no distante 1922. Estabelece-se o regime militar, sem vocação totalitária
ele trabalha para modernizar e estabilizar o país. Veio o esforço para montar
uma infraestrutura renovada, combater a corrupção, dinamizar a economia, dar
educação básica para o povo e, claro, combater o comunismo (perigo que realmente
nunca existiu). Bem, o regime militar alcançou muitos objetivos e falhou em
outros. É a Vida. Ao esgotar o período
militar, retorna triunfante a incensada democracia. O sistema criado pelos
gregos antigos seria, crença generalizada, a redenção do país. Na verdade, o
factoide de democracia no Brasil, fez ressurgir a Fênix dos interesses
obscuros, inimiga do país. Neste ato, grupos sedentos de poder e ouro, assumem
o comando das decisões político-administrativas da nação. O Brasil entra num
processo deletério. O vicio antigo da corrupção destrói a educação, cultura,
equilíbrio econômico. Corroída e sem
rumo, a civilização brasileira vê o surgimento de uma casta dirigente,
supostamente eleita pelo próprio povo. É a nova oligarquia, vinda das urnas
enganosas. Mutatis mutantes, a mesma situação
vivida na primeira república dos anos 1900. Depois de quase um século do
sacrifício em Copacabana, estamos de volta ao começo. O gigante precisa despertar do sono infantil.
Nomes
de alguns dos heróis que mancharam com seu próprio sangue as areias de
Copacabana.
Tenente
Eduardo Gomes (gravemente ferido, sobreviveu0
Tenente
Mário Carpenter
Tenente
Nilton Prado
Tenente
Siqueira Campos (gravemente ferido, sobreviveu)
Otávio
Corrêa – civil
1°
Mec. Eletr. José Pinto de Oliveira
Soldado
Manuel Antônio do Reis
Soldado
Hidelbrando da Silva Nunes
-Trecho
de uma carta escrita por Juarez Távora, um dos mais importantes e ativos líderes
do movimento tenentista, em 1926 quando preso na Ilha das Cobras:
Será desalentador que
após tantos sacrifícios tudo volte a mesma deplorável desordem que nos avilta e
aniquila; à mesma opressão mesquinha e degradante que nos envergonha a
consciência de homens livres.